Il Sordo, a sorveteria sergipana comandada por surdos
Para quem não sabe: eu sou sergipana. Moro em São Paulo, mas minha família quase toda está em Aracaju-SE. Portanto, vivo por lá e iria mais se as companhias aéreas não tivessem dobrado os preços (aliviem a barra aí, pufavô?) nos últimos dois anos. Da última vez que fui lá, há algumas semanas, ouvi falar da Il Sordo, uma sorveteria/gelateria artesanal genuinamente sergipana e 100% comandada por surdos. Como eu sou talvez a maior fã de sorvete que há nesse mundão de Deus e também adoro empreendimentos inclusivos, fui lá conferir a Il Sordo rapidinho. Resultado: amei. São poucos os sabores de cada vez, mas todos feitos artesanalmente e com todo o cuidado do mundo, um amorzinho mesmo. Aproveitei a ida para bater um papo com José, que é o pai do dono da gelateria, Breno.
Quando surgiu a ideia da Il Sordo e por quê?
A idéia foi do Breno, que queria três coisas: ser um empresário surdo (ele não conhecia nenhum aqui em Sergipe nem em vários outros lugares que fosse surdo); depois, vender açaí e paletas mexicanas; e terceiro ele lembrou que o avô teve uma sorveteria anos atrás, e me perguntou se eu não gostaria de começar um negócio igual.
Como eu tinha conhecido o gelato na Itália, sugeri a ele estudar o gelato como alternativa. Daí viajamos a São Paulo, fizemos cursos sobre o assunto e começamos a estudar máquinas, processo de produção, comercialização, etc. até chegar ao formato final: fabricação artesanal de paletas mexicanas e, principalmente, gelato, em uma empresa com a marca da surdez que é própria da identidade pessoal do Breno, como surdo.
Como vocês se prepararam para a inauguração da Il Sordo?
Estudando, fazendo cursos, olhando negócios parecidos. No final, optamos por um negócio pequeno. A Il Sordo é uma empresa artesanal, de um microempresário. Mas achamos que esse ramo de negócio permite crescer, o que só acontecerá na medida em que o Breno for superando algumas barreiras: pouco capital pra começar, concorrência difícil, alto custo dos insumos, momento econômico difícil, complexidade da legislação tributária brasileira – tudo isso são coisas ainda mais difíceis de vencer, agravadas porque a sociedade tem dificuldade de conviver com pessoas surdas. Mas são barreiras que podemos vencer, e o Breno está disposto a trabalhar para isso, tanto fazendo um produto de excelente qualidade como gerando um ambiente de trabalho inclusivo e estimulante para pessoas surdas.
Vocês enfrentam ou já enfrentaram algum obstáculo na hora do atendimento?
Às vezes os clientes têm uma certa surpresa e demoram a se adaptar a situação. Mas é coisa de minutos: logo vão procurando se entender, usam gestos, apontam o que querem e dá tudo certo. Até aqui nenhuma situação foi incontornável: quando necessário, os surdos escrevem usando o celular ou mesmo caneta e papel e explicam algum detalhes que o cliente pergunte. E a imensa maioria das pessoas acha muito boa a qualidade do atendimento prestado.
Quais foram as inspirações de vocês?
Empresas que vimos pela internet, como no Canadá (restaurante) ou no Japão (cafeteria), e exemplos do dia-a-dia de pessoas surdas que já passaram pela experiência de trabalhar e se comunicar.
Como vocês selecionaram os sabores que seriam produzidos? Como é a produção?
Achamos que o fato de estar no nordeste do Brasil, e termos todo esse verão no litoral sergipano, é uma coisa interessante para produzir sorvete. Além do calor e sol estimular o consumo, temos fartura de frutas frescas que procuramos usar. Já tivemos gelato de jaca, umbu, siriguela, jabitucaba, sapoti, mangaba, manga, tangerina, o coco local, que é muito bom.
Além disso, como o conceito do gelato ainda é pouco comum no Nordeste, buscamos manter os sabores tradicionais, como um ótimo chocolate meio amargo, stracciatella, e frutas que tem aqui e na Europa, como morango e até mesmo pêssego e ameixa fresca. Temos o amendoim e a castanha de caju também, e por aí vai.
Qual o sabor de gelato tem sido o queridinho do público?
Existem os clássicos: o chocolate é um caso. O nosso sabor de coco também é muito apreciado. Mas, veja, a amarena e o caramelo “burro salato” saíram muito bem aqui. Procuramos ter uma rotatividade desses sabores.
Qual o maior aprendizado que vocês tiveram até agora?
Não é fácil ser pequenos empresário. A questão do atendimento é vital e a presença dos surdos foi um fator de melhoria do atendimento, e não de dificuldade, porque contou com a solidariedade dos clientes. Agora, tem a parte de controle, de preços, de compras, da burocracia, que não é fácil. É muito trabalho, e o retorno só vem com o tempo e com muito esforço.
SOBRE A IL SORDO:
Os valores são 6, 10 e 15, para os gelatos pequeno, médio e grande.
O meu sabor favorito é o de iogurte, mas o de caramelo também é sucesso.