A descriminalização do aborto e o feminismo
Hoje, o aborto é uma das pautas mais urgentes no feminismo. É impossível ser feminista e não ser a favor da legalização do aborto. Digo mais: quem é a favor, só é.
“Sou a favor se…” não cabe no movimento. Na verdade, só indica a influência de uma moralidade cristã ou da lógica de que “umas mulheres merecem o aborto, outras não”.
Aborto não deve ser um prêmio, não deve ser mais um fator de julgamento e diferenciação entre mulheres. Mulheres precisam ter o direito de escolher ou não passar por uma gravidez. Elas também precisam ter o direito de ser ou não mães. Sem “mas“, sem “se“, sem “a não ser quando”.
Sexo, mulher e pecado
Mulheres não devem fazer sexo, a não ser para procriar.
Essa lógica patriarcal reforçada por várias religiões associa sexo feminino ao pecado.
O conceito de pecado está por trás de quase todos os argumentos favoráveis à criminalização do aborto.
É esse conceito que, por vezes, isenta a mulher que aborta porque foi violentada. Ela não queria ser estuprada. Querer o sexo e não o filho, contudo… É pecado. E, como pecadora, deve arcar com as consequências.
Mesmo que as consequências sejam 9 meses de um processo físico extenuante e uma vida inteira de responsabilidades financeiras, sociais e educacionais sobre outra pessoa.
A favor da vida?
A maior ilusão de quem é contra a legalização é “ser a favor da vida”. É compreensível: o discurso vem sendo lapidado desde o séc. XIX.
No entanto, só é a favor da vida quem é a favor de aborto seguro e legalizado. Afinal, segundo o MS, ao menos 1 mulher morre a cada dois dias no Brasil por conta de abortos inseguros.
Portugal, Suíça e Espanha registraram queda no número de abortos realizados após a descriminalização. Mesmo quem é contra o aborto, deveria ser a favor da legalização.
Cientistas do mundo todo entendem “morte” como a ausência de atividade cerebral. Isso significa que o amontoado de células passa a ser considerado um ser vivo após o primeiro trimestre de gestação.
Descriminalização do aborto: a religião e o Estado laico
Números indicam menos mulheres mortas, uma economia de R$500 milhões a cada 10 anos para o SUS e redução de abortos realizados após a descriminalização. Além disso, mães solo representam 57% das pessoas abaixo da linha da pobreza no país.
Considerando tudo isso, por que ainda é uma pauta polêmica? Porque o Estado não é laico, mas é patriarcal.
Se o Estado fosse laico:
– Lutas políticas pró-LGBTQIA+ nem existiriam, pois a heterossexualidade não faria diferença;
– Duas amigas poderiam adotar um filho porque o casamento não seria a instituição mais importante da família;
– O aborto seria legalizado porque é a opção mais benéfica e lucrativa para a economia e a saúde pública.
Aborto: incoerências
O feto com menos de 20 semanas e/ou menos de 500g sequer possui um atestado de óbito. Antes disso, é descartado como lixo hospitalar.
A legalização e descriminalização do aborto, sem ressalvas, também é a opção mais coerente com a nossa Constituição, que deveria garantir às mulheres o direito:
• à integridade corporal e vida;
• à saúde física e psíquica;
• à saúde sexual e reprodutiva;
• à autonomia.
Por que um acúmulo de células, sem atividade cerebral e que não chega a pesar 15g (14g é o peso de um feto na semana 12 de gestação), tem mais direito à integridade corporal e à vida do que um ser humano formado? A única resposta possível é: porque esse ser humano é uma mulher… Ou uma menina.
Mentiras e argumentos
“O feto sente dor.”
É comprovado cientificamente que feto não sente dor antes de 24 semanas de gestação.
“Se legalizar, todo mundo vai fazer”.
Em todo o mundo, abortos são mais realizados nas regiões em que ainda são criminalizados. Vários países pesquisas registraram queda e depois estabilização nos números.
“A mulher fica traumatizada”.
Na verdade, estudo publicado em jan/2020 pela Social Science & Medicine, acompanhou mulheres de 21 estados dos EUA por 5 anos e, ao final desse período, 99% delas afirmam que abortar foi a melhor decisão na época. No entanto, 2 coisas podem, sim, prejudicar a saúde mental de mulheres que optam por abortar em um contexto de ilegalidade: a culpa cristã e a criminalização.
Nós por nós
“Mas eu jamais faria um aborto.”
Pautas políticas nunca serão sobre as suas escolhas pessoais. Você tem autonomia sobre sua religiosidade e sobre o seu corpo. No entanto, a sua crença jamais deverá ser argumento para que outra mulher não possa escolher. Escolher: transar antes do casamento, usar anticoncepcional, interromper uma gravidez, não ser mãe nunca. Sua escolha não anula uma urgência coletiva.
Mulheres estão morrendo em nome de preceitos religiosos em um Estado (ainda) laico. E isso é errado. É sobre isso a nossa luta: mulheres vivas e livres.
Gravidez, filho, prisão, morte: nada disso deve ser punição para o sexo feminino, seja ele fruto de desejo, um erro, um acidente ou uma violência. Todas as mulheres precisam ter escolha.
A descriminalização do aborto é uma pauta urgente! Envie esse texto para outras pessoas e vamos juntos repensar a questão.
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