Cachos: política, depois moda

Foto: Devin Trent.

De uns tempos para cá, percebi que por onde passo avisto uma, duas ou três outras cacheadas e crespas desfilando seus cabelos volumosos, coloridos, altos e poderosos, por avenidas, metrôs, cafeterias e discotecas.  E atrás delas, olhares curiosos, admirados, e principalmente aqueles que dizem: ‘’Acho lindo, mas não teria coragem de sair assim na rua” – OI?!

De um ano para cá, vi mais cacheadas do que vi nos outros 20 anos inteiros da minha vida. Olho, admiro e, quando posso, dou um sorriso tímido e acolhedor de “somos irmãs de cabelo, sua linda”.

A questão que não quer calar é a seguinte: Onde estavam todos esses cachos, crespos e encaracolados na minha adolescência? Na minha infância? E no mais impressionante dos casos, onde estavam esses cachos há um ano atrás? E é aqui que nossa pauta começa.

Vou partir de mim como ponto de referência para essa história que, acredito eu, muitas irão se identificar. Há uns dois anos atrás eu estava iniciando meu processo de transição capilar, ou seja, a redescoberta do meu cabelo natural – Oi, cabelo natural? – Sim, isso mesmo. Porquê da infância para adolescência eu passei acreditando, piamente, que meu cabelo natural era liso, afinal, era só fazer uma “escova definitiva” e  voilà,  cabelos lisos, sedosos e naturais; mas não.

O que eu fui enxergar há pouco tempo atrás é que não havia nada de natural em passar horas intermináveis no salão, passando química no meu cabelo; não havia nada de natural em usar uma máscara porque o cheiro do “produto” irritava os olhos, o nariz e a garganta. Olha que incrível: não tinha nada de natural em queimar meu cabelo toda semana com uma prancha.

Mas o que ninguém me disse, há vinte anos atrás, é que esse era o meu cabelo: com cachos, crespos, frizz e volume. E que “Viu, tudo bem, cê é linda assim? ”.

E por que não disseram? – Porque não era, porque não é.

A falta de representatividade da mulher negra e afro descendente, ou a inexistência destas figuras de beleza, foi o que fez uma geração inteira de meninas, acreditar que cabelo liso a base de química era natural. E agora, depois que passamos por um processo danado de sofrido, de autodescoberta, aceitação e identidade cultural, estão querendo nos dizer que estamos acompanhando a moda. Todos esses anos de exclusão do padrão de beleza vendido, era porque não estávamos na moda e, bom, agora nós estamos.

Acontece que nosso cabelo está intimamente relacionado com a nossa história, nossas raízes, nossa autoestima que, por anos, foi subjugada, invisível.  Nosso cabelo natural, volumoso e recém descoberto, em nada tem a ver com uma tendência de moda, nós estamos fazendo política, estamos mostrando que eles são volumosos, altos, bagunçados, lindos e de todas as cores e tamanhos; que são lindos e sempre foram – estando ou não, na sua capa de revista.

Invadindo os espaços com nossos cabelos volumoso e retomando o que, em momento algum deveriam (e deve), nos ser tomado: nossa autoestima.

A possibilidade de caminhar entre todos os estilos – liso, encaracolado, crespo, curto, longo, médio, preto, vermelho, verde e louro – porque queremos e podemos, e não por uma tendência.

Estamos contando nossa história e mostrando que nossa beleza não é passageira, e que, na próxima estação, nossos cabelos não serão alisados nem diminuídos bem como tudo o que vier de nossas raízes.

Mulher, negra, afro descendente e Black Power!

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27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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