No começo desse ano, comecei a trabalhar como editora de beleza em um site só sobre cabelos. De lá para cá, leio, escrevo e pesquiso sobre cabelos todos os dias. Eu já sabia, é claro, da importância dos cabelos na nossa autoestima, no nosso processo de autoconhecimento, mas a dimensão dela ficou bem mais clara pra mim quando passei a trabalhar com isso. Cabelo e empoderamento, vejam bem, podem ser inseparáveis.
Infelizmente, como tudo nessa vida, também há um padrão de beleza para os fios. E o padrão, vocês bem sabem, é longo, liso e, de preferência, claro. Esses fios podem até ser modelados para ter ondas, mas são irrefutavelmente lisos. Bons exemplos são as ondas perfeitas e “naturais” de Gisele Bündchen ou os novos fios levemente ondulados de Taylor Swift.
Cabelo liso não é o único bonito. Cabelo longo não é mais feminino. Cabelo colorido não significa menos profissionalismo.
A pergunta que não quer calar é: se cabelo e empoderamento podem ser inseparáveis, em que casos isso se aplica?
E eu diria que a resposta é: quando há uma fuga – totalmente voluntária ou não – do padrão. Cabelos coloridos, curtos, ondulados e, em maior escala, cacheados e crespos costumam levar mensagens, que podem ser de personalidade, luta, resistência ou estilo. Para conhecer algumas dessas mensagens – e quem as leva -, convidei algumas meninas que também acreditam nessa ligação entre cabelo e empoderamento para conversar sobre o tema. E também para exibir seus fios incríveis para o Declara pelas lentes de Bruno Rossener!
Todas elas, que escolheram – ou aceitaram ter – cabelos fora do padrão, já sofreram preconceito. Cada uma à sua forma e com diferentes intensidades, mas o julgamento é real.
Bruna: “As brincadeirinhas e o bullying eram relativamente frequentes, especialmente na escola, no ensino fundamental, que eu não tinha muita noção de como cuidar. Na verdade, não tive essa noção até me formar no ensino médio. Sempre falavam que eu tinha cabelo ruim (que vem, é claro, do racismo), e eu vivia com o meu cabelo preso.”
Deborah: “Lido com preconceito em relação ao meu cabelo desde pequena, sempre foi algo diário e que se mostrou presente até mesmo na época em que o alisava para tentar me embranquecer. Claro que algumas situações me marcaram mais, como no dia em que uma senhora me abordou perguntando se crianças poderiam tocar meu cabelo e se ele não fazia mal à elas. Esse tipo de constrangimento vem frequentemente de desconhecidos no transporte público e na rua, por exemplo; mas pra mim é ainda pior vindo de amigos e familiares.
Danielle: “Principalmente, quando é caso de trabalho para fotografia. Os fotógrafos e bookers sempre tem “preferência” para modelos de cabelos longos. No começo, até meus amigos me tratavam de um jeito diferente do normal.”
Yasmin: “Diariamente escuto coisas como: “não tem pente em casa?” ; “é carnaval para estar de peruca?”; “eu conheço um salão muito bom”; “tomou choque?””
Desde a mitologia, passando pela Bíblia e outras histórias, o cabelo aparece como uma representação concreta de coisas intangíveis. A força de Sansão, o poder de Medusa, a delicadeza de Rapunzel, a decisão de renunciar ao próprio cabelo de Mulan – ou dos monges franciscanos.
O vínculo entre cabelo e empoderamento, em mulheres jovens e de cabelos curtos, baseia-se muito no imaginário popular que cerca os cabelos femininos. O cabelo, em muitas culturas, representa a feminilidade, a sensualidade, a força e até mesmo a própria mente. Renunciar ao cabelo longo num país latino que ainda alimenta o estereótipo de mulher sensual com longos cabelos é uma escolha estética, mas não deixa de ser uma declaração. E ela pode ser a declaração de que a feminilidade vai além do comprimento de cabelo, pode ser a negação ao poder da preferência majoritária masculina, entre outras coisas mais.
Sobre as mensagens subentendidas que o cabelo curto deixa passar nesse contexto, Nawira se recorda de uma vez em que foi assediada no metrô. Após encoxá-la, um idiota deixou claro que “até que, para uma sapata, ela era bem gostosinha”. Nawira não tem dúvidas: ele entendeu que ela era lésbica apenas pelo seu comprimento de cabelo. Nesse caso, há o fator lesbofobia, mas o pré-julgamento pelos fios curtos também é claro.
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Para as donas de cabelos cacheados e crespos, a conexão entre cabelo e empoderamento chega a ser ainda mais íntima. Ao contrário das meninas que decidem cortar os fios, a decisão das cacheadas e crespas é outra: aceitar os cabelos – e, em outro nível, elas mesmas – como são.
Deborah lembra que sempre teve muita vontade de variar nos penteados e nas cores de cabelo, “mas essa vontade se contradizia à ideia de que cabelo loiro ou colorido não combinaria comigo, tanto pela minha cor de pele como por meu tipo de cabelo.” Essa ideia perdurou “até entender que, ainda que o black esteja castanho ou o mais “comportado” possível, as pessoas ainda o repudiarão.”Ela analisa: “assumir meu cabelo natural e me dar conta de como a sociedade o vê foram os primeiros passos para meu processo de entendimento da minha posição social enquanto mulher e negra. Assim, minha transição foi de algo puramente estético para uma autoafirmação em uma sociedade que sequer suporta minha estética.”
A caminhada em busca do empoderamento pessoal é longa, difícil e cheia de comentários e olhares tortos a cada esquina. Mas as entrevistadas são unânimes: vale a pena. Leia mais sobre o assunto aqui.
Você concorda com a associação entre cabelo e empoderamento? Tem alguma história sobre o tema? Deixe sua opinião ou conte a sua história sobre cabelo e empoderamento nos comentários! ☀
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