Os homens não entenderam o feminismo – considerações sobre Aziz Ansari

Aziz Ansari é acusado de assédio: uma reflexão sobre homens e o feminismo

Quando conhecemos um machistão clássico, daqueles que odeiam feministas, que falam que lugar de mulher é na cozinha, “vai lavar uma louça” e demais frases prontas, é óbvio que esses homens não entenderam o feminismo. Porém, quando surgem denúncias como as feitas recentemente contra Louis CK, ou as de hoje, contra Aziz Ansari, um comediante que sempre se destacou por levantar bandeiras de minorias e, especialmente, trazer mulheres independentes para os holofotes, se torna um pouco mais claro que os homens, mesmo os “bonzinhos”, não entenderam o feminismo. Ou melhor, não entenderam além do que lhes convém.

Anos atrás, nós não chamaríamos isso de abuso, apenas diríamos em tom de confidência para as amigas  que “fulaninho forçou a barra”, nos sentindo meio envergonhadas e meio culpadas por termos “permitido” que a situação ocorresse. O problema é que essa situação é comum, muito mais do que deveria ser, e muitos homens conseguem se ver nela, não querendo acreditar que isso é abuso para não ter de pensar em si mesmos dessa forma.

Os tempos mudaram e, com eles, a visão da mulher sobre o que é ser tratada com respeito, porém, aparentemente, os homens não acompanharam o desenrolar do debate. Enquanto nós estamos discutindo como podemos nos defender de homens que querem nos embebedar para diminuir nossa resistência e daí insistir muitas, muitas, muitas vezes para transar, inclusive ignorando nossos sinais quando tentamos nos esquivar ou ficamos imóveis sem responder a estímulos, os homens ainda veem esse comportamento como positivo e típico de um pegador. Não há nada de errado nisso, fulaninho é apenas um pegador.

Mas não, peloamordedeus, não. Coerção não é consentimento.

É obviamente mais fácil se desvencilhar dos machistões típicos, a coisa fica mais cinzenta com os ditos feministos. A questão é que muito provavelmente ele se crê um real apoiador do feminismo e por isso fica completamente chocado ao ter seu comportamento questionado. Afinal, ele concorda, pelo menos em discurso, que a mulher deve receber igualmente pelo mesmo trabalho, concorda que as tarefas domésticas devam ser divididas e concorda que a mulher pode se relacionar sexualmente com quem quiser sem ser julgada por isso. O problema é quando cooptam esse último ponto para benefício próprio, a despeito de um acordo com a mulher.

Ele acredita na liberdade sexual feminina, mas entende o feminismo como uma oportunidade de transar com mulheres “com a resistência mais baixa”, sem a necessidade de confirmar se era essa a expectativa da parceira. Sem envolvimento emocional e sem a necessidade de dar satisfações depois. Afinal, agora elas podem, mas homens assim não se dão ao trabalho de confirmar se é isso mesmo que elas querem.  

Esses caras se beneficiam ao atuar na área cinzenta dos novos relacionamentos millenials e também pela falsa liberdade sexual trazida pela última onda feminista. As mulheres já não sentem necessidade de estar em um relacionamento propriamente dito antes de se aventurarem sexualmente e aí se ganha terreno, sempre partindo do pressuposto (não acordado entre ambas as partes, claro) de que “não quer nada sério” para justificar um comportamento que a desconsidera em diversos aspectos.

É claro que existe uma diferença entre falta de responsabilidade afetiva e o caso relatado pela vítima do comediante, que usou de coerção para forçá-la a algo, porém a questão é que ambos os comportamentos estão enraizados em uma compreensão muito rasa, defasada e tendenciosa do que é o feminismo e a que ele se presta. Homens como Aziz ou Louis CK se creem feministas porque concordam, teoricamente, com alguns pontos levantados pelo movimento, mas são incapazes de um exame crítico sobre o próprio comportamento sexual, que diz respeito diretamente ao seu trato com as mulheres.

A hesitação que sentimos ao classificar comportamentos como esse do comediante como abusivos só demonstra como normalizamos muitas coisas que são prejudiciais para nós mulheres. O que aparentemente existe na nossa geração é um descompasso na profundidade do debate, no qual as mulheres estão participando de maneira interessada e ativa e os homens esperam apenas ser “alimentados” com informação mastigada, sem buscar refletir por iniciativa própria sobre seu comportamento. As relações não mudam se a mulher desmistifica as relações sexuais, mas os homens ainda entendem o troféu de pegador como algo a ser conquistado. Mais do que isso, algo a ser conquistado até mesmo usando mão de coerção.

A relação predatória e hierárquica se mantém, só que agora com um véu de falsa aceitação. De “liberdade”, mas ainda bastante falocêntrica e danosa.  

Homens como Aziz Ansari creem que são realmente aliados da causa, embora parem na página 1, parágrafo 2 do Feminismo, sem real interesse de abrir mão dos seus privilégios ou pensar duas vezes sobre a própria maneira de agir. É urgente que os homens assumam a responsabilidade de analisar seus próprios comportamentos sexuais e as maneiras com que se relacionam com as mulheres sem esperar a informação chegar prontinha de uma amiga ou namorada.

Basta se questionar sobre seu comportamento e melhorá-lo. Não existe segredo, só é necessário respeito.

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27 anos, nordestina em SP, publicitária graduada e pós graduada pela USP, escritora e apaixonadíssima por moda, cinema, viajar e sorvete. Fico entediada bem rapidinho com as coisas, então, costumo fazer várias ao mesmo tempo. Vivo à procura de encanto.

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